1) Qual o espaço que o rock ocupou e ocupa na vida de vocês?
CLÁUDIO – Vai saber.. Rock é rebeldia, cara. Rock é vida, meu irmão! Na minha existência o rock ocupou e ocupa ao mesmo tempo um espaço primordial, transversal, vital...
Quero dizer com isso que pra mim, desde muito cedo ele nunca foi só uma música, sacou?. Ele
veio que nem uma avalanche levando tudo. É a peste do Artaud. Ou seja, rock foi e é um modo de vida que abarca todas as dimensões da
minha existência: alimentação,
filosofia, vestuário, moradia, sexualidade, ideais políticos, sociabilidade,
identidade, cotidiano, inconsciente, etc. Ele me deu e dá forças pra LUTAR por uma sociedade livre e justa - uma
sociedade anarquista. Pra mim o
rock não deve se associar ao pop. O rock não pode ser reduzido à uma mercadoria,
a um comércio, bicho. Pop é business,
grana, gráficos, números... PORRA! O
rock (sobretudo, o PUNK que é o que mais identifico) deve continuar combatendo a diluição da
rebeldia do rock promovida pela indústria - que sempre só buscou lucrar, cooptar e domesticar as bandas. Foda-se o “sucesso”, foda-se o “mainstream”.
Enfim, rock é elixir da juventude. O punk é a minha bandeira (negra) de luta
contra o individualismo, o pragmatismo, a indiferença às questões sociais e
ambientais, o consumismo, o
descompromisso e todo tipo de conformismo.
2) -
Existe futuro para o planeta no capitalismo ?
CLÁUDIO - Não existe futuro nem pro planeta e nem pra nada no
capitalismo, com certeza. Os próprios capitalistas vão se estrepar. Sabe o
por quê? Porque o capitalismo nasceu e vive da desigualdade, da exploração, da
usurpação, da concentração de riquezas de uns e da miséria de milhões. Isso não oferece futuro, sacou? O planeta é um
ser vivo. Tudo está ligado, meu. Nós somos árvore, terra, fogo. Mas o capitalismo que é por sua própria natureza, desenvolvimentista, não vê um árvore ele enxerga madeira pra vender.
Ele não vê uma montanha, ele enxerga um monte de minérios para arrancar. Ele não vê um rio. Ele enxerga só um duto para
escoar seus dejetos e detritos. Pra o
bossal capitalista nada é vivo, nada tem espírito. Nada importa. É tudo coisa.
É tudo objeto pra usar e jogar fora. Merda! Sim, os
donos do sistema só se preocupam com lucros e em acumular capital. Antigamente
eu falava que o capitalismo era o coveiro do planeta, mas hoje eu percebo que
ele é na verdade o seu assassino (frio e calculista) que posa de “mocinho”. Veja
a quantidade imensa de esgoto, lixo e resíduos tóxicos que são jogados diariamente nos rios
e mares. Eles estão asfixiados. Veja o
desmatamento brutal, a poluição estratosférica e as extinções massivas de
inúmeras espécies. Veja a desertificação e o aquecimento do planeta. É o
antropoceno em toda sua brutalidade. Vide o massacre diário e cotidiano contra
todas as outras espécies animais, vegetais, minerais. Aliás, o capitalismo é uma forma de guerra contra o
planeta. Ele disfarça, se maqueia com seus slogans de “sustentabilidade” e
muito blablabá. Tudo mentira para
continuar destruindo, saqueando, torturando, sugando. Haja concreto, cimento, aço, asfalto. Acho
que não existe nem futuro e nem presente
no capitalismo. O que temos é uma sombra do que poderia ser o presente.
Pouquíssimos vivem, a esmagadora maioria de seres sobrevive, sub-vive. Ou seja,
assim como no passado, no presente o que existe é algo bem aquém da vida em sua
potencialidade e plenitude. A máquina
nunca se sacia. A fome dela é letal, é sofrimento e dor para gerar dividendos para
uma minoria branca e patriarcal (2% a 1% da população). Enfim, ou a gente dá um
fim no capitalismo ou ele dá um fim no planeta ( e muito mais breve do que
imaginamos). Nunca antes na história os
humanos (parasitas) criaram uma forma de
economia tão voraz, nefasta e rápida em aniquilar a VIDA dos outros seres e de
tudo em volta. CHEGA DE CAPITALISMO!!!
3) Como
combater a ascensão da extrema- direita no Brasil e no mundo?
CLÁUDIO – Através da LUTA total e sem medo. Pois, eles sempre tentam intimidar pela ameaça e violência. Tentam implantar um clima de receio e temor de agir contra sua barbárie. A coragem é a palavra de ordem do momento, tá ligado? Aliás, não teve época que a dispensou. Arte não é coisa para covardes... sinto que só é possível pelejando em todas as dimensões e frentes imagináveis, pois, a ascensão desta (falta de) visão retrógrada diz respeito a múltiplos fatores, motivos, valores, princípios, posturas, atitudes, formas de sociabilidade e de relacionar com o planeta. Ou seja, como não é algo isolado o combate deve ser amplo e irrestrito ( na educação, política, economia, arte, comportamento, cultura, etc). Mas, de forma geral, quanto melhor a gente entender o fenômeno mais chances a gente tem de derrotá-lo. Ainda são bem raros os estudos que tentam abarcar a real profundidade, impacto e dimensão da extrema direita hoje no Brasil e no mundo. A derrota eleitoral não quer dizer muita coisa quando ela não sai de cena, saca? Penso que estes autoproclamados “patriotas” não nasceram do nada e nem ontem. Estão aí espreitando através dos séculos de opressão. O Brasil, por exemplo, ainda é colônia e a escravidão não acabou, só mudou de forma. Tem muita gente que sonha em ser “sinhô” e ter sua senzala particular como adorno da casa grande. Tem muita gente sem noção da história batendo continência pra violência do capital. O cativeiro e a ditadura estão nos corações e mentes desses tradicionalistas reacionários. Ou seja, não dá pra explicar só apontando a falência da “democracia representativa” e dos partidos. Não é só pelo advento das redes sociais onde proliferam as fake news e os discursos de ódio e ignorância. Não é só a falência da educação. Não é só pelo medo e preocupações extremas de parcela da população com a precariedade do trabalho, a insegurança de rendimento ou a degradação das infraestruturas e dos serviços que restaram. Não é só pela sensação de que a decisão real da vida política está nas mãos das megacorporações e instituições supranacionais. Enfim, é uma somatória disso e muito mais ainda. Pra combater a ascensão da extrema direita é preciso plantar cotidianamente a semente de um mundo onde caibam as diferenças (e não as desigualdades) e onde o respeito, a solidariedade e justiça sejam mais do que palavras vazias. Sobretudo, é preciso, ao meu ver, combater o próprio capitalismo e as condições geradas por ele que tornaram este retrocesso atraente para uma certa camada da população mundial.
4 - Qual a importância de festivais como estes que proponham a união entre punks e bangers (sem tentar
apagar as diferenças existentes)?
CLÁUDIO – Primeiramente, a importância está em perceber o significado da
UNIÃO dos punks e bangers a partir de uma perspectiva REBELDE às imposições do
mercado fonográfico, das tendências musicais comerciais predominantes nos meios
de comunicação de massa, plataformas de streaming de áudio e gostos
predominantes nas redes sociais, tá ligado? Da época que eu comecei a me envolver com o
universo do rock (anos 80) pra cá houve uma redução drástica dos espaços, bem
como, uma diluição muito grande dos seus significados transgressores (o que pra
mim é o mais grave). Na minha história
de vida participei tanto do universo do metal quanto do punk em Araguari (MG)
minha cidade natal. Todo respeito pela história dos dois. Assim, entendo que as diferenças existentes
entre bangers e punks são bem menores do que aquilo que podem e têm em comum
neste cenário musical desolador, saca? Ambos são adeptos do peso, da
agressividade e da independência em relação ao mainstream e à moda da
vez, não só como fatores que permitem o
reconhecimento das sonoridades específicas, mas também como uma barreira em
relação aos demais gêneros musicais. Ambos nascem no rock e pra sobreviver
tiveram que desenvolver um circuito e uma cadeia própria de circulação. Ambos
foram historicamente um contraponto à
apreciação feita pela crítica musical hegemônica e oficial dos grandes veículos
de comunicação. Enfim, a soma de forças
é muito bem-vinda num momento como este,
sobretudo, a partir de uma visão que
reconheça a diferença, não como ameaça a ser destruída, mas como alternativa a
ser preservada. Entendo que a intenção do Festival é relativizar sem transformar a alteridade em hierarquia
(superiores e inferiores ou em bem e mal) mas vê-la na sua dimensão de riqueza
e sabedoria. O ideal é criar uma zona
autônoma temporária onde prevaleça a troca, o auxílio mútuo, a solidariedade e
a cooperação visando a transformação de si e do mundo.
5) Quais os
preconceitos e formas de dominação sociais mais incomodam a banda e o por quê?
CLÁUDIO – Assim como nas outras questões eu vou
falar por mim. Não sou representante de nada, nem da banda que eu toco. Todo preconceito é horrível e deve ser banido,
saca?. Fica difícil elencar os que mais detesto. Mas, vamos lá. Hoje e a
princípio os preconceitos que mais me incomodam são o especismo, o racismo, o
etarismo , o classismo e as distorções veiculadas pela mídia e ligadas ao punk. Isso porque eles estão tão enraizados na
convivência que a maioria das pessoas nem percebe o próprio preconceito. Foram
por demais naturalizados. Fazem parte da dita “normalidade”. A gente sabe que por exemplo, a história do
movimento punk no Brasil e no mundo se coloca contra o antropocentrismo, isto
é, esta falsa noção de superioridade
humana sobre os outros animais. Mas,
como tá lá no livro Craig o’Hara “mesmo que pudesse ser provado que os seres
humanos são superiores, não temos o direito de usar aqueles que julgamos inferiores
para comer ou fazer experiências, não importa que seja de grande benefício para
nós ou não. Porque na grande escala das coisas, não temos mais direito à vida e
liberdade do que qualquer outro ser” (A
Filosofia Punk, p.134) Interessante perceber que todos estes preconceitos se
articulam dentro da noção de ideologia dominante, isto é, uma forma
extremamente eficaz de controle e dominação social utilizada pela burguesia e pelo Estado que oculta,
dissimula, distorce os reais motivos da opressão e faz os próprios dominados pensarem como querem os dominantes e desvalorizarem a si
próprios. Por que será que a mídia, as redes sociais, cinema,
rádios, televisão, séries, tirinhas de jornal e os anúncios, todos
distorcem tanto a história punk com sua imagem sensacionalista e grotesca? Será
que tem a ver com o fato de que
historicamente a mensagem crucial do punk teve entre seus alvos justamente o
capital, o classismo, o sexismo, o racismo , o autoritarismo e a própria mídia?
6) o que
esperar da apresentação no Festival?
CLÁUDIO – Porrada artaudiana na moleira! Qualquer banda que se preza quer
arrebentar, quebrar tudo (risos). Como disse o Bakunin “a paixão pela destruição
é uma paixão criadora”. Esperem revolta e indignação. Vamos tocar as músicas do
nosso futuro primeiro álbum. Nele
sobressai o ímpeto shivaísta, bem como, a noção de que negar o que nega a vida
é afirmar a vida. De que a revolta é lucidez, abertura e compromisso com o
presente. Além disso, contribuir para dissipar
os estereótipos fomentados pela indústria cultural, acabar com a separação
entre plateia e banda, buscar a interação, o envolvimento do público e chocar
as pessoas com as ideias
e não com as aparências.
7) Sinta-se
livre para falar sobre outras questões que sentir vontade.
CLÁUDIO – Quero falar um pouco do anarquismo. Pois, fora dele não vejo possibilidade efetiva
de mudança no status quo. Deve ser porque meus sonhos jamais couberam em
urnas. Quero muito mais do que é oferecido pelas ilusões da democracia
burguesa. Tirania disfarçada... Quem
cala consente? Eu não me calo. Lembro então Malatesta “é anarquista, por
definição, aquele que não quer ser nem oprimido e nem opressor, aquele que quer
o máximo de bem-estar, o máximo de liberdade”. A anarquia é a sociedade sem hierarquia,
sem Estado, sem violência e sem classes sociais. Anarquia é autonomia e
autogestão pela base. Salve Makhno!
Depois de décadas de ativismo mais do que nunca estou convencido da viabilidade
de suas propostas. Salve Artaud! Somente uma arte que se recusa fazer parte do jogo pode realmente ter autonomia! Viva
Durruti! Nossa bandeira ninguém arranca
de nós. Para as barricadas pelo triunfo da nossa revolução! Como já disse
Proudhon “toda propriedade é um roubo”. A guerra é permanente. Viva Kropotkin! Pelo
que nos ensinou na conquista do pão e da poesia! A gente se vê no festival, a gente se vê na luta!
Obs: a banda
não tem instagram e até então nada
divulgado na internet.