segunda-feira, 17 de abril de 2023

Entrevista MACACOS DO ESPAÇO

 



1) Qual o espaço que o  rock ocupou e ocupa na vida de vocês?

CLÁUDIO –    Vai saber.. Rock é rebeldia, cara. Rock é vida,  meu irmão!  Na minha existência o rock ocupou e ocupa  ao mesmo tempo um  espaço primordial, transversal, vital... Quero dizer com isso que pra mim, desde muito cedo  ele nunca foi só uma música, sacou?. Ele veio que nem uma avalanche levando tudo. É a peste do Artaud.  Ou seja, rock foi e é um  modo de vida que abarca todas as dimensões da  minha existência: alimentação, filosofia, vestuário, moradia, sexualidade, ideais políticos, sociabilidade, identidade, cotidiano, inconsciente, etc. Ele me deu e dá  forças pra LUTAR  por uma sociedade livre e justa - uma sociedade anarquista.  Pra mim o rock  não deve se associar ao pop.  O rock não pode ser reduzido à uma mercadoria, a um comércio, bicho.  Pop é business, grana, gráficos, números...  PORRA! O rock (sobretudo, o PUNK que é o que mais identifico) deve continuar  combatendo a diluição  da  rebeldia do rock promovida pela indústria  - que sempre só buscou lucrar,  cooptar e domesticar as bandas.   Foda-se o “sucesso”, foda-se o “mainstream”. Enfim, rock é elixir da juventude. O punk é a minha bandeira (negra) de luta contra o individualismo, o pragmatismo, a indiferença às questões sociais e ambientais,  o consumismo, o descompromisso e todo tipo de conformismo.

2)  - Existe futuro para o planeta no capitalismo ?

CLÁUDIO - Não existe futuro nem pro planeta  e nem pra nada no capitalismo, com certeza. Os próprios capitalistas vão se estrepar.  Sabe o por quê? Porque o capitalismo nasceu e vive da desigualdade, da exploração, da usurpação, da concentração de riquezas de uns e da miséria de milhões.  Isso não oferece futuro, sacou? O planeta é um ser vivo. Tudo está ligado, meu.  Nós somos árvore, terra, fogo. Mas o  capitalismo  que é  por sua própria natureza, desenvolvimentista,  não vê um árvore ele enxerga madeira pra vender. Ele não vê uma montanha, ele enxerga um monte de minérios para arrancar.  Ele não vê um rio. Ele enxerga só um duto para escoar seus dejetos e detritos.  Pra o bossal capitalista nada é vivo, nada tem espírito. Nada importa. É tudo coisa. É tudo objeto pra usar e jogar fora. Merda!   Sim, os donos do sistema só se preocupam com lucros e em acumular capital. Antigamente eu falava que o capitalismo era o coveiro do planeta, mas hoje eu percebo que ele é na verdade o seu assassino (frio e calculista) que posa de “mocinho”. Veja a quantidade  imensa de  esgoto, lixo e resíduos  tóxicos que são jogados diariamente nos rios e mares.  Eles estão asfixiados. Veja o desmatamento brutal, a poluição estratosférica e as extinções massivas de inúmeras espécies. Veja a desertificação e o aquecimento do planeta. É o antropoceno em toda sua brutalidade. Vide o massacre diário e cotidiano contra todas as outras espécies animais, vegetais, minerais. Aliás,  o capitalismo é uma forma de guerra contra o planeta. Ele disfarça, se maqueia com seus slogans de “sustentabilidade” e muito blablabá.  Tudo mentira para continuar destruindo, saqueando, torturando, sugando.   Haja concreto, cimento, aço, asfalto. Acho que não existe  nem futuro e nem presente no capitalismo. O que temos é uma sombra do que poderia ser o presente. Pouquíssimos vivem, a esmagadora maioria de seres sobrevive, sub-vive. Ou seja, assim como no passado, no presente o que existe é algo bem aquém da vida em sua potencialidade e plenitude.  A máquina nunca se sacia. A fome dela é letal, é  sofrimento e dor para gerar dividendos para uma minoria branca e patriarcal (2% a 1% da população). Enfim, ou a gente dá um fim no capitalismo ou ele dá um fim no planeta ( e muito mais breve do que imaginamos). Nunca  antes na história os humanos  (parasitas) criaram uma forma de economia tão voraz, nefasta e rápida em aniquilar a VIDA dos outros seres e de tudo em volta. CHEGA DE CAPITALISMO!!!

3) Como combater a ascensão da extrema- direita no Brasil e no mundo?

CLÁUDIO – Através da LUTA total e sem medo. Pois, eles sempre tentam intimidar pela ameaça e violência.  Tentam implantar um clima de receio e temor de agir contra sua barbárie.  A coragem é a palavra de ordem do momento, tá ligado?  Aliás, não teve época que a dispensou. Arte não é coisa para covardes...  sinto  que só é possível pelejando em todas as dimensões e frentes imagináveis, pois, a ascensão desta  (falta de) visão retrógrada diz respeito a  múltiplos fatores, motivos, valores, princípios, posturas, atitudes, formas de sociabilidade e de relacionar com o planeta. Ou seja, como não é algo isolado o combate deve ser  amplo e irrestrito ( na educação, política, economia, arte, comportamento, cultura, etc). Mas, de forma geral,  quanto melhor a gente  entender  o fenômeno mais chances a gente tem de derrotá-lo. Ainda são bem raros os estudos que tentam abarcar a real profundidade, impacto  e dimensão da extrema direita  hoje no Brasil e no mundo. A derrota eleitoral  não quer dizer muita coisa quando ela não sai de cena, saca?   Penso que estes autoproclamados “patriotas” não nasceram do nada e nem ontem. Estão aí espreitando através dos séculos de opressão. O Brasil, por exemplo,  ainda é colônia e a escravidão não acabou, só mudou de forma. Tem muita gente que sonha em ser “sinhô” e  ter sua senzala particular como adorno da casa grande. Tem muita gente sem noção da história batendo continência pra violência do capital. O cativeiro e a ditadura estão nos corações e mentes desses tradicionalistas reacionários.  Ou seja,  não dá pra explicar só apontando a falência da “democracia representativa” e dos partidos. Não é só  pelo advento das redes sociais onde proliferam as fake news e os discursos de ódio e ignorância.  Não é só a falência da educação. Não é só pelo medo e preocupações extremas de parcela da população com a precariedade do trabalho, a insegurança de rendimento ou a degradação das infraestruturas e dos serviços que restaram. Não é  só pela sensação  de que a decisão real da vida política está nas mãos das megacorporações  e instituições supranacionais. Enfim, é uma somatória disso e muito mais ainda.  Pra combater a ascensão da extrema direita é preciso plantar  cotidianamente a semente de um mundo onde caibam as diferenças (e não as desigualdades) e onde o respeito, a solidariedade e  justiça sejam mais do que palavras vazias. Sobretudo, é preciso, ao meu ver,  combater o próprio capitalismo e as condições geradas por ele que tornaram este retrocesso atraente para uma  certa camada da população mundial.

 

4 - Qual a importância de festivais  como estes que proponham a  união entre punks e bangers (sem tentar apagar as diferenças existentes)? 

CLÁUDIO – Primeiramente, a  importância está em perceber o significado da UNIÃO dos punks e bangers a partir de uma perspectiva REBELDE às imposições do mercado fonográfico, das tendências musicais comerciais predominantes nos meios de comunicação de massa, plataformas de streaming de áudio e gostos predominantes nas redes sociais, tá ligado?  Da época que eu comecei a me envolver com o universo do rock (anos 80) pra cá houve uma redução drástica dos espaços, bem como, uma diluição muito grande dos seus significados transgressores (o que pra mim é o mais grave).  Na minha história de vida participei tanto do universo do metal quanto do punk em Araguari (MG) minha cidade natal. Todo respeito pela história dos dois.  Assim, entendo que as diferenças existentes entre bangers e punks são bem menores do que aquilo que podem e têm em comum neste cenário musical desolador, saca? Ambos são adeptos do peso, da agressividade e da independência em relação ao mainstream e  à moda da vez,  não só como fatores que permitem o reconhecimento das sonoridades específicas, mas também como uma barreira em relação aos demais gêneros musicais. Ambos nascem no rock e pra sobreviver tiveram que desenvolver um circuito e uma cadeia própria de circulação. Ambos foram historicamente  um contraponto à apreciação feita pela crítica musical hegemônica e oficial dos grandes veículos de comunicação.  Enfim, a soma de forças é muito bem-vinda num  momento como este, sobretudo, a partir de uma visão  que reconheça a diferença, não como ameaça a ser destruída, mas como alternativa a ser preservada. Entendo que a intenção do Festival é relativizar  sem transformar a alteridade em hierarquia (superiores e inferiores ou em bem e mal) mas vê-la na sua dimensão de riqueza e sabedoria.  O ideal é criar uma zona autônoma temporária onde prevaleça a troca, o auxílio mútuo, a solidariedade e a cooperação visando a transformação de si e do mundo.

 

5) Quais os preconceitos e formas de dominação sociais mais incomodam a banda e o por quê?

CLÁUDIO – Assim como nas outras questões eu vou falar por mim. Não sou representante de nada, nem da banda que eu toco.  Todo preconceito é horrível e deve ser banido, saca?. Fica difícil elencar os que mais detesto. Mas, vamos lá. Hoje e a princípio os preconceitos que mais me incomodam são o especismo, o racismo, o etarismo , o classismo e as distorções veiculadas pela mídia e ligadas ao punk.  Isso porque eles estão tão enraizados na convivência que a maioria das pessoas nem percebe o próprio preconceito. Foram por demais naturalizados. Fazem parte da dita “normalidade”.  A  gente sabe que por exemplo, a história do movimento punk no Brasil e no mundo se coloca contra o antropocentrismo, isto é, esta falsa  noção de superioridade humana sobre os outros animais.  Mas, como tá lá no livro Craig o’Hara “mesmo que pudesse ser provado que os seres humanos são superiores, não temos o direito de usar aqueles que julgamos inferiores para comer ou fazer experiências, não importa que seja de grande benefício para nós ou não. Porque na grande escala das coisas, não temos mais direito à vida e liberdade do que qualquer outro ser”  (A Filosofia Punk, p.134) Interessante perceber que todos estes preconceitos se articulam dentro da noção de ideologia dominante, isto é, uma forma extremamente eficaz de controle e dominação social  utilizada pela burguesia e pelo Estado que oculta, dissimula, distorce os reais motivos da opressão e faz os próprios  dominados pensarem como querem os  dominantes e desvalorizarem a si próprios.   Por que será que  a mídia, as redes sociais, cinema, rádios,  televisão, séries,  tirinhas de jornal e os anúncios, todos distorcem tanto a história punk com sua imagem sensacionalista e grotesca? Será que tem a ver com o fato  de que historicamente a mensagem crucial do punk teve entre seus alvos justamente o capital, o classismo, o sexismo, o racismo , o autoritarismo e a própria mídia?

 

6) o que esperar da apresentação no Festival?

CLÁUDIO – Porrada artaudiana na moleira! Qualquer banda que se preza quer
arrebentar, quebrar tudo (risos).  Como disse o Bakunin “a paixão pela destruição é uma paixão criadora”. Esperem revolta e indignação. Vamos tocar as músicas do nosso futuro primeiro álbum.  Nele sobressai o ímpeto shivaísta, bem como, a noção de que negar o que nega a vida é afirmar a vida. De que a revolta é lucidez, abertura e compromisso com o presente.  Além disso, contribuir para dissipar os estereótipos fomentados pela indústria cultural, acabar com a separação entre plateia e banda, buscar a interação, o envolvimento do público e chocar as pessoas  com as  ideias  e não com as aparências.

                                                          

7) Sinta-se livre para falar sobre outras questões que sentir vontade.

CLÁUDIO – Quero falar um pouco do anarquismo.  Pois, fora dele não vejo possibilidade efetiva de mudança no status quo.  Deve ser porque meus sonhos jamais couberam em urnas. Quero muito mais do que é oferecido pelas ilusões da democracia burguesa.  Tirania disfarçada... Quem cala consente?  Eu não me calo.  Lembro então Malatesta “é anarquista, por definição, aquele que não quer ser nem oprimido e nem opressor, aquele que quer o máximo de bem-estar, o máximo de liberdade”. A anarquia é a sociedade sem hierarquia, sem Estado, sem violência e sem classes sociais. Anarquia é autonomia e autogestão pela base.  Salve Makhno! Depois de décadas de ativismo mais do que nunca estou convencido da viabilidade de suas propostas. Salve Artaud!  Somente uma arte que se recusa fazer parte do jogo   pode realmente ter autonomia! Viva Durruti!  Nossa bandeira ninguém arranca de nós. Para as barricadas pelo triunfo da nossa revolução! Como já disse Proudhon “toda propriedade é um roubo”.   A guerra é permanente. Viva Kropotkin! Pelo que nos ensinou na conquista do pão e da poesia!  A gente se vê no festival, a gente se vê na luta!



 

Obs: a banda não tem instagram e  até então nada divulgado na internet.




 

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